Como vimos, a epidemia de obesidade está em franca ascensão nas últimas décadas (ver obesidade: uma epidemia). A alta disseminação de sistemas de alimentação que promovem o consumo excessivo de alimentos e bebidas com alta densidade calórica e pobres em nutrientes é a principal causa dessa epidemia. A obesidade é uma questão complexa em um mundo onde a globalização é acompanhada por crescentes expectativas de lucro, existe um rápido desenvolvimento social ao lado da pobreza extrema, novas mídias sociais oferecem oportunidades descontroladas de publicidade e o aumento da desigualdade representa ameaças reais ao nosso futuro. Interromper e reverter essa epidemia, alterando nossa abordagem social em relação a alimentos, bebidas e atividade física, não é uma escolha opcional ou um objetivo que pode ser esquecido. É um dos desafios mais importantes que devem ser enfrentados coletivamente por nossa sociedade.
Um importante passo global foi dado em 2013 com a adoção do Plano de Ação Global da OMS para a Prevenção e Controle de Doenças Não Transmissíveis 2013–2020. Esse plano de ação incluiu ações específicas e metas para o controle do avanço da prevalência de obesidade para adultos e adolescentes. No entanto, apesar de alguns países adotarem medidas promissoras, o progresso foi desapontante. Até hoje, nenhum país foi capaz de reverter sua epidemia de obesidade.
Barreiras para o sucesso
Existem inúmeras razões para o progresso ineficaz na prevenção da obesidade.
Isso inclui o lobby das indústrias para impedir políticas alimentares projetadas para melhorar a saúde pública, a capacidade restrita ou a falta de esforços dos governos para implementar políticas eficazes e a ausência de pressão da sociedade civil por ações políticas. Há também uma série de razões para a escassa demanda por ações da sociedade civil, incluindo ausência de organizações, capacidade e financiamento restritos, coordenação fraca e baixa prioridade nas questões relacionadas à obesidade.
Somado a isso, fatores desse “ambiente alimentar” exploram as vulnerabilidades biológicas (alimentos hiperpalatáveis, sujeitos à adição, com baixa capacidade de saciedade), psicológicas (estratégias de marketing, tamanho das porções), sociais e econômicas (facilidade de refeições prontas para esquentar, custo mais baixo) dos indivíduos de maneira que prejudicam a sua capacidade de agirem em interesse próprio a longo prazo.
Os altos lucros advindos da exploração bem-sucedida dessas vulnerabilidades costumam ser a força motriz por trás desse cenário que promove o consumo excessivo de alimentos. Esses fatores afetam as preferências e demandas pessoais de alimentos não saudáveis, que, como parte de um ciclo vicioso, incentivam “o ambiente alimentar” a continuar promovendo alimentos não saudáveis.
Como os adultos precisam comprar e comer sua própria comida, sempre haverá um componente de responsabilidade pessoal nas decisões alimentares diárias. No entanto, esse ciclo vicioso pode ser efetivamente quebrado por meio de regulamentações governamentais em conjunto com esforços da indústria e da sociedade, em vez de tentar intervir em cada nível isoladamente. Politícas alimentares eficazes devem fazer parte de uma combinação de ações complementares que se reforçam mutuamente.
Políticas alimentares
As políticas alimentares são definidas como ações que visam melhorar a dieta da população. Elas podem exercer um papel essencial no controle da epidemia global da obesidade, mas precisam ser bem projetadas para atingir efetivamente seu objetivo de alcançar uma dieta mais saudável de forma generalizada.
Foram identificados alguns mecanismos pelos quais espera-se que ações relacionadas a políticas alimentares possam funcionar. A seguir detalharemos esses mecanismos:
1. Fornecer um ambiente propício para o aprendizado de hábitos alimentares saudáveis:
Apesar de algumas preferências alimentares das pessoas serem inatas (por exemplo, bebês apresentarem preferência por alimentos doces), a maior parte das preferências alimentares são maleáveis e aprendidas ao longo do tempo. Os maiores determinantes das preferências alimentares são a familiaridade com o gosto e as experiências prévias das consequências do consumo de determinados alimentos (por exemplo, sintomas de náuseas ou vômitos após certo alimento resulta em aversão a ele). A familiaridade, por sua vez, é resultado da exposição repetitiva a determinado sabor.
Esse aspecto é particularmente importante no desenvolvimento de preferencias alimentares na infância. Essas preferências são influenciadas pela exposição aos comportamentos alimentares dos pais, cuidadores e colegas, a alimentos disponíveis dentro e fora de casa e a culturas e normas sociais em torno dos alimentos de maneira mais ampla. As preferências também podem mudar em resposta a novas informações e a exposição ao marketing dos alimentos.
Esse processo de aprendizado de preferência alimentar começa nos estágios iniciais da vida. Embora as preferências possam ser modificadas ao longo do tempo, elas geralmente são persistentes e resistentes à mudança. Assim, um papel potencialmente poderoso para a políticas alimentares é apoiar um ambiente que incentive a aprendizagem de preferências saudáveis no início da vida.
Medidas Práticas
- Promoção do aleitamento materno e de alimentos complementares apropriados para bebês e a regulamentação da comercialização de alimentos complementares inapropriados;
- Fornecimento de aconselhamento nutricional a mulheres grávidas, novos pais e cuidadores;
- Educação nutricional para crianças; habilidades em educação alimentar para professores e cuidadores;
- Iniciativas para disponibilizar alimentos saudáveis nas escolas e restringir a disponibilidade de alimentos não saudáveis;
- Reformulações para reduzir o teor de açúcar em alimentos direcionados ao mercado infantil;
- Subsídios que promovam acessibilidade a alimentos nutritivos entre famílias de baixa renda com crianças pequenas;
- Regulamentação de propagandas e comercialização de alimentos não saudáveis para crianças.
2. Superar barreiras para a adoção de preferências alimentares saudáveis
A capacidade de acessar e consumir uma dieta saudável é comprometida por muitas barreiras, mesmo quando as pessoas optam por comer bem. Esse problema é particularmente importante entre grupos de baixo nível socioeconômico. Alimentos saudáveis são tipicamente mais caros do que alternativas menos saudáveis, e dietas saudáveis estão frequentemente fora do alcance de famílias de baixa renda. Falta de tempo, recursos, informações e apoio social são barreiras adicionais ao consumo de dietas saudáveis e podem afetar todos as camadas sociais. Um segundo papel importante para políticas alimentares é, portanto, superar essas barreiras para assegurar oportunidades às pessoas que desejam ter uma alimentação saudável.
Medidas Práticas
- Iniciativas para disponibilizar alimentos saudáveis nas escolas;
- Subsídios alimentares direcionados;
- Incentivos para atrair comerciantes de alimentos saudáveis para locais de baixa renda ou para incentivar os comerciantes existentes nesses locais a oferecer produtos mais saudáveis;
- Desenvolvimento de infraestrutura de transporte e armazenamento de alimentos nutritivos em áreas carentes;
- Reformulação de rótulos nutricionais para que ofereçam informações claras e compreensíveis a respeito do valor nutricional dos produtos.
3. Incentivar as pessoas a reavaliar preferências alimentares não saudáveis existentes
As pessoas que já desenvolveram preferências alimentares não saudáveis apresentam grande dificuldade para se adaptar a escolhas mais saudáveis. No entanto, já foi demonstrado que mudanças na maneira como os alimentos são apresentados e precificados podem impactar positivamente essas escolhas. Primeiro, a disponibilidade e a forma de apresentação dos produtos no ponto de venda modificam as escolha alimentares das pessoas. Segundo, preços altos incentivam as pessoas a se afastarem dos alimentos que poderiam ter escolhido, especialmente se existe uma alternativa aceitável de menor valor. Assim, um papel importante das política alimentares é influenciar os preços, a disponibilidade e a apresentação de opções mais saudáveis para incentivar os consumidores a reavaliar suas preferências e fazer escolhas alternativas.
Medidas Práticas
- Impostos alimentares diferenciados favorecendo alimentos saudáveis;
- Subsídios direcionados a incentivar a produção e comercialização de alimentos saudáveis;
- Regulamentação de propagandas feitas sobre alimentos não saudáveis que podem enganar as pessoas a percebê-los como saudáveis;
- Rótulos nutricionais visíveis com alguma forma de símbolo de aviso a respeito do teor nutricional (por exemplo o uso de letras ou cores que indiquem alto, médio ou baixo teor nutricional) ou o uso de um sistema de classificação nutricional que possa ser facilmente identificado e interpretado.
4. Promover políticas que estimulem uma resposta dos sistemas alimentares
Políticas alimentares projetadas para afetar as escolhas dos consumidores também podem estimular ações interdependentes em outros setores do sistema alimentar. Por exemplo, a obrigatoriedade de rótulos para gordura trans nos Estados Unidos incentivou a indústria de alimentos a reduzir os nível de gordura trans. Intervenções dos governos para superar gargalos no fornecimento de alimentos saudáveis e melhorar a qualidade nutricional dos alimentos disponíveis, também podem afetar todo o sistema alimentar. Na Húngria, a adoção de um imposto sobre produtos relacionados a saúde pública (introduzida em 2011) fez com que as vendas de produtos sujeitos a tributação diminuíssem 27%. Em resposta a esse imposto, os fabricantes removeram parcial ou completamente os ingredientes tributados de suas formulações.